Em quase 20 anos, a técnica triplicou a riqueza de espécies de plantas no local e aumentou em até 77% os nutrientes do solo
Em situações de adversidade, faça do limão uma limonada, reza o ditado. Também é possível dar um destino diferente à laranja, segundo pesquisadores norte-americanos. Eles usaram o bagaço da fruta para recuperar uma área degradada em um parque da Costa Rica. O resultado atingido foi detalhado na revista Restoration Ecology e, além de ter um impacto na redução de material orgânico descartado nos países, aumenta a oferta de alternativas acessíveis de recuperação ambiental.
O experimento teve início em 1998, quando um acordo entre Daniel Janzen e Winnie Hallwachs, um casal de pesquisadores, e uma produtora de sucos de laranja permitiu o despejo de 1.000 caminhões cheios de cascas e outros restos da fruta em uma área usada anteriormente pela empresa como pasto. Dezesseis anos depois, os investigadores detectaram que a quantidade de nutrientes no solo, de espécies de plantas e de biomassa aumentou significativamente.
“Queremos ser claros que não estamos encorajando fazendeiros a jogar seus resíduos a torto e a direito em parques nacionais sem permissão. Porém, acreditamos que há muito potencial no uso de resíduos agrícolas para restaurar florestas”, ressalta Jonathan Choi, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Princeton.
Há 20 anos, Daniel Janzen e Winnie Hallwachs sugeriram à empresa Del Oro que doasse parte do terreno que ocupava próximo à Área de Conservação Guanacaste e, em troca, depositasse os resíduos da produção de suco em uma região degradada do parque, como uma forma ecológica de se livrar desses resíduos orgânicos.
Inicialmente, o projeto consistia no depósito do conteúdo de 1.000 caminhões em áreas diferentes do parque, cada uma com aproximadamente três hectares. Outra produtora de suco, porém, entrou com uma ação na Justiça questionando o depósito de lixo, e o projeto ficou restrito a apenas uma área. “Existem ainda muitos outros locais dentro da Área de Conservação Guanacaste nas quais as condições favorecem esse tipo de restauração. A área reflorestada seria muito maior se o plano original tivesse sido seguido”, lamenta Tim Treuer, coautor do estudo.
Em 2014, Tim Treuer e Jonathan Choi foram à Costa Rica para avaliar o impacto do projeto. Eles compararam a área que havia recebido as sobras da laranja com uma ao lado que não tinha feito parte do experimento. A vegetação restaurada estava visivelmente mais cheia, e as análises confirmaram a suspeita. Os nutrientes no solo, como potássio, cálcio e ferro, aumentaram entre 10% e 77%.
A quantidade de biomassa acima do solo, ou seja, a madeira das árvores, aumentou 176%. Além disso, a riqueza de espécies triplicou. Segundo o estudo, a área era dominada por duas espécies de árvores relacionadas com solos extremamente degradados, que sumiram e deram lugar a árvores ligadas a um solo saudável.
“Os pesquisadores aumentaram, não de forma intencional, a fertilidade do solo. Aumentaram minerais como o cálcio, o potássio, o nitrogênio e o fósforo. É como se eles tivessem fertilizado o solo”, explica Rodrigo Corrêa, professor da pós-graduação em ciências ambientais da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo o especialista, o uso de resíduos na restauração não é novidade. A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal, a Caesb, por exemplo, utiliza parte do lodo produzido durante o tratamento de esgoto para restaurar áreas de mineração. “Usando matéria orgânica, eles restauram entre 50 e 100 hectares por ano”, conta Rodrigo Corrêa.
Área fertilizada com cascas de laranja, à direita.
Simplicidade
Uma vantagem do método norte-americano é o uso direto do resíduo agrícola, sem a necessidade de processamentos, como a compostagem. No experimento, os restos de laranja foram transportados da fábrica para a área que foi restaurada. Segundo os pesquisadores, é a primeira pesquisa nesse formato com resultados contabilizados.
“Acreditamos que o estudo é um sinal forte de que devemos explorar com mais profundidade essa ideia. Isso significa mais colaborações pensadas entre empresas agrícolas e cientistas, usando estudos-piloto cuidadosos em uma variedade de situações com uma variedade de resíduos”, defende Tim Treuer. “Nós conhecemos apenas um outro projeto ativo explorando o uso da cereja do café, a fruta ao redor das sementes de café, mas ainda não vimos os resultados.”
Além da recuperação das áreas degradadas, no caso do uso das sobras da laranja, as empresas que adotassem a prática conseguiriam dar uma destinação mais simples aos resíduos da produção. Geralmente, as cascas da fruta são transformadas em comida para animais, o que requer um gasto com o processamento do material. “O fato de a empresa estar disposta a doar uma grande quantidade de terra para a área de conservação em troca do direito ao depósito de resíduos dentro do parque me faz pensar que fazer comida para gado não era uma opção muito interessante”, complementa Tim Treuer.
O pesquisador ressalta que existem alguns resíduos ricos em nutrientes que são caros de se lidar e potencialmente úteis para a restauração, como a sobra da laranja. A constatação é ainda mais chamativa para Brasil, Estados Unidos, China, Índia, México, Egito e Espanha, que, juntos, produzem 68% de toda laranja disponível no mundo e usam a produção de formas distintas. Os brasileiros são o maior produtor, com cerca de 47.010 mil toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBr).
Além do suco
Cerca de 70% da produção brasileira e da norte-americana vai para a fabricação de sucos. Já o México e a China concentram a venda das frutas principalmente para o consumo in natura. No caso da Espanha, mais da metade das laranjas têm como destino a exportação. Índia e Egito fazem uma distribuição mais igualitária entre esses setores.
Fonte: Correio Braziliense / Histórias com Valor / Só Notícia Boa
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